quinta-feira, 19 de abril de 2012

VOU BUSCAR A INJEÇÃO

Nesta semana em que todos os atleticanos se deliciam com os reclamos da torcida coxa sobre a atuação do seu treinador, segundo alguns mais estremados um covarde, nada mais que chororô a justificar antecipadamente a derrota de domingo e o fim do campeonato, jogado na minha poltrona da sorte reli minhas últimas postagens neste blog de todos os atleticanos e um aspecto comum a quase todas me chamou a atenção.

Mesmo com seguidas vitórias e mais duas imensas taças já se direcionando para o CT do Caju, meus textos pouco comentam a atuação dos jogadores. Os quatro gols de Guerrón em única partida jogaram apenas leve e breve jato de luz sobre o nome do “la dinamita”. O que estaria acontecendo comigo, seria já o alemãozinho atacando sorrateiro?

Apavorado, fui ao psicólogo.

O homem magro, branco-coxa, é o nome que as tintas da hora dão ao branco hospitalar, com as barbas bem cuidadas de petista usando as rédeas do poder, me mandou sentar em cadeira onde fiquei sob a observação severa de Freud e seu cachimbo, e me fez a pergunta óbvia: “Qual o seu problema?”

Respondi que no meu hobby de escritor estava perdendo o foco do principal, escrevia sobre futebol e deixava, inconscientemente, de citar os nomes dos jogadores, as estrelas do espetáculo. O homem lançou o corpo para trás, acomodou o esqueleto no veludo da cadeira enorme e cofiou a barba com a cara de “é grave”.

– Torce para algum time em especial? – perguntou o esculápio.

– Doutor, ultimamente não torço, sofro, sofro do Mal de Lucelli, que o senhor deve conhecer bem. – O clínico cruzou as mãos no topo da cabeça, estalou o pescoço, e eu imaginei, é gravíssimo.

– Se bem entendi, o enfermo é atleticano? – indagou o filho de Freud, balançando negativamente o crânio de pouco cabelo. Fechei os olhos e não precisei responder.

– O diagnóstico é simples –, continuou – desde o ano passado, o senhor vem sendo vítima de jogadores mercenários, que levaram seu time à segunda divisão. – Respirou profundamente, remexeu uns papeis sobre a mesa, enquadrou os óculos de leitura e prosseguiu. – Há poucas semanas, os jogadores Rodolpho, criado no CT do Caju, e Paulo Rink, ex-ídolo atleticano, entraram na justiça contra o seu clube, o que, no seu inconsciente é crime de traição máxima, daí o seu irrefletido esquecimento dos jogadores em suas colunas. – Silenciou e ficou a me observar como mísero rato de laboratório, com CPF e capacidade de pagamento.

Uma luz penetrou meu cérebro vitimizado pela perfídia, cansado da deslealdade, da falsidade, por tudo isso levado a bloquear no texto as boas apresentações de Manoel, Guerrón, Zezinho, Deivid, Edigar e companhia. O jogador-herói morreu, ficou o clube, o pai pronto a ser traído pelas 30 moedas de prata que levaram Judas ao suicídio. Entendi meu problema.

Estava assinando o cheque gordíssimo, quando não resisti perguntar: “E o senhor torce para quem doutor?”. O magrelo estalou os dedos magros e respondeu com um tremor de sobrancelhas: “Torço para o Coritiba, Coritiba do Marcos Aurélio, do Leandro Donizetti, do Gago, do Bill, craques que amam a camisa coxa”.

O tremor das sobrancelhas aumentou e uma baba grossa começou a verter da boca semiaberta. Os olhos passeavam esgazeados pelos livros na estante em cerejeira, os lábios resmungavam Aurélio, Gago, Donizetti, Bill.

Fiquei preocupado e chamei a enfermeira. A loiraça entrou e disse resignada: “Esta semana ele está assim, mais para monstro do que para médico”. De repente, o homem em transe começou a repetir: “O Heber vai fazer falta, vai fazer falta”. A moça colocou as mãozinhas sobre as bochechas rosadas, voltou para mim sua angústia e ordenou: “O senhor não deixe ele bater a cabeça. Vou buscar a injeção”.

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