sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

BONS TEMPOS

Leio a entrevista do Petraglia e descubro que ele morou na Petit com Bento Viana, a três quadras da minha casa, justo ali na Brasílio com a antiga Padre Ildefonso, hoje Alexandre Gutierrez. O padre deve ter caído em desgraça, perdeu a rua. O presidente é mais velho do que eu, pouca coisa, mas o suficiente para eu não ter lhe dado uma caneta, botado ele para correr atrás de uma boa betada, ganhado dele umas bolinhas no triângulo.

Foi uma pena. Fizesse parte da minha turma, teria boa altura para pegar balões, evitaria minhas subidas em túmulos perigosos no cemitério, os anjinhos em prece sempre em risco de tomar um esbarrão e ter que sair voando. Pena, também, pois poderia me ensinar caminho que nunca conheci para entrar na Baixada. Diz a entrevista que ele “furava por baixo do rio para assistir os jogos”. Por baixo do rio? Essa via deve ter sido destruída com a construção da Arena, garantia de que nunca será explorada novamente, nem pelo Indiana Jones.

Tivesse conhecido o Mariozinho, poderia ter me tornado seu amigo e hoje estar corneteando direto no seu ouvido. Tira esse técnico, contrata aquele, bota para correr este perna de pau, o que é que esse cara ainda está fazendo no Atlético, o velho Petraglia estaria com o amigo de infância pelas tampas, pronto para colocá-lo no rol dos seus inimigos.

Furioso mesmo ficaria quando eu fosse buzinar sobre a tal briga com a imprensa. Eu ia dizer: “Pare com isso, você já me botou para ouvir rádio de novo, ler jornal em busca de notícia, eu quero ver o jogo, ter opinião própria, tenho que ficar ouvindo bobagens, gente mandando abraço, um atraso milenar. A RPC paga pouco, mas estamos jogando o campeonato com os aspirantes, o produto não é lá grande coisa, se paga o mesmo para os coxas, tá valendo. Você sabe, os cães ladram e a caravana passa, vistosa, triunfante”.

Com sorte chegaria a “um atraso milenar” e já estaria tomando o rumo de casa. Chegando lá, a esposa, também descendente de uruguaios como ele, da turma do empedernido Gumercindo Saraiva, ia dizer: “Toma, foi se meter com castelhano, agora aguente”. Perderia o amigo sem direito a qualquer consolo.

Ali na Bento tinha um dentista que me tirou um dente de leite sem nem eu perceber. Quando cheguei em casa estava com a janela na dentadura. Fiquei com ódio mortal do tira-dentes. O cara era bom, mas nunca mais passei pela frente do consultório. Fiquei mais para o lado do cemitério, ali só um susto ou outro quando ao entardecer o atravessava, voltando do jogo contra o Realzinho, lá atrás do dito cujo. Talvez, por isso, nunca cruzei com o seu Mario.

Bons tempos. Por certo seria bom ter conhecido o Mariozinho, como tantos meninos e meninas que conheci e depois me afastei para viver o Exército. Tenho todos eles na memória, dos mais humildes aos mais abastados, gente que riu comigo, se assustou com a morte do Kennedy, viu o homem descer na lua com a boca aberta, tomou cuba libre nas festinhas embaladas pelos Beatles, pelo rei Roberto e sua turma. Hoje amanheci saudoso. Bons tempos.

 

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