quarta-feira, 26 de março de 2014

COISAS DE DEUS


Amigo me pediu para escrever texto sobre os noventa anos do Atlético, cavar um momento especial nos meus grisalhos anos de torcedor. O time do nosso coração está na milha janela fulgente ao raiar do dia, prata lunar ao findar da noite. Veja no que deu.

COISAS DE DEUS

Estou aqui embatucado frente a um teclado ansioso, cansado de me ver com esta cara indecisa, sem sorrisos, a mente velha a procurar nos arquivos desbotados um momento inesquecível, marcante na minha relação de amor com o Atlético de 90 anos. Os dedos vão em direção às teclas e ele se assusta com o escrito, um simples e definitivo não o tenho. Meu caso de amor com o Furacão é longo e salpicado de pessoas e emoções. Meu irmão, sempre parando de fumar e voltando aos 20 do primeiro tempo, que um dia, após vitória daquelas de tirar da forca, deu-me abraço tão caloroso que ainda hoje o sinto. Da menina que aos quinze anos entendeu ser domingo dia de Furacão, e hoje tem nome em cadeira da Arena, vai lá para torcer e cuidar de mim, dizer ao cantar do Hino: “Você já está com a mão gelada. Para que isso?” Dos filhos que entenderam meus extremos e torcem sem perder saúde. Dos netos, pobrecitos, sufocados com camisas em vermelho e preto. Do amigo coxa, uns cinquenta anos de duros Atletibas, sem atritos, uma amizade diamantina. Do Pedrinho, do time que goleou o Caramuru de Castro, do emocionante Joffre Cabral e Silva, do Nilson, do Sicupira, do gol campeão do Joel matador de alviverdes, dos quatro gols do Ziquita, do Assis, do insuperável esquadrão de 83, do Oséas estrela de prata, do Kléber, dos campeões de 2001, dos meninos movimentando o placar da antiga Baixada, das durezas do Pinheirão, da volta ao ninho, do impressionante Mario Celso Petraglia, da inauguração da Arena em 99, em que me desmilingui de chorar como se fosse aquele o fim de todas as penúrias, sem saber que um dia, conselheiro do clube, a veria demolida para a construção de um novo e magnífico sonho. No meu check-in para o planeta Terra, Deus me mostrou a mãe linda no nono mês, o pai preocupado, os irmãos à espera, deu-me um flash da vida a seguir, gostei da imagem da bela menina de quinze anos, e já me entregando a passagem perguntou: “Com emoção ou sem emoção?” À beira da vida, fiz cara de coragem e optei pela emoção. “Tem certeza?”, voltou sorrindo. Trincando os dentes, fiz sinal de positivo. Então, Ele colocou o Atlético no meu coração. Coisas de Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário