Nossa cidade cresceu, alongou-se por todos os horizontes, criaram-se indústrias, proliferaram os empregos, ela virou modelo, ecológica, e deixou de ser sorriso. Um pecado dos grandes. Piorou.
A piora levou aos 10% da torcida visitante, ou até à incompreensível torcida única. Mesmo capaz de ouvir os anjos – só para lembrar hoje vamos ganhar – não sou um sonhador, sei que as medidas tomadas são necessárias, porém, difícil não reconhecer que um certo primitivismo tomou conta de parcela da nossa população antes pacata e ordeira.
O curitibano padrão de poucos cumprimentos, de convidar para a visita e não dar o endereço de casa, foi sendo atropelado pelos costumes mundiais com passagem pelos grandes centros nacionais, medrou e hoje assiste a torcidas sendo escoltadas pela força policial rumo ao campo de jogo, como prisioneiros de guerra conduzidos ao campo de concentração. Lamentável.
No mundo, especialmente na Inglaterra dos hooligans, o problema teve solução, a polícia agiu duramente e pôs fim à tragédia nas terras da rainha. Aqui não tivemos tal competência.
Escrevo sabendo das dificuldades para a melhora, relato o passado apenas para mostrar aos mais jovens que já fomos mais pacíficos, as derrotas não significavam desonra, motivos para lutas e quebradeiras, embora as camisas fossem muito mais honradas que nos dias de hoje.
Escrevo para dizer que o Atletiba desta tarde é apenas mais um jogo de tradicionais rivais da cidade sorriso, tudo pode acontecer, a arbitragem poderá errar gravemente, ela sempre erra, tradicionalmente a favor dos coxas, um dos times vai vencer, o empate premiará o esforço de ambos.
Amanhã é outro dia, acabado o jogo temos que chegar logo em casa, jantar com a família, preparar as ironias para maltratar o perdedor, as desculpas para justificar a amarga derrota. Tudo como se diz no meu Exército, dentro da mais sadia camaradagem.
É preciso provar que ainda somos curitibanos da melhor cepa. Quietos, sérios, civilizados.
São duas horas da manhã, a casa às escuras, um sino toca indolente no cemitério da silenciosa Água Verde, o sono dificulta o ponto final. Jogo-me para trás na cadeira, procuro um fecho rápido para o texto, uma mão toca meu ombro e a voz do anjo rubro-negro sussurra novamente: “Escreva aí, vamos ganhar”. É bom obedecer.
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