segunda-feira, 12 de outubro de 2015

MORRO DE SAUDADES

Quatro da tarde, os netos saem para um parque da cidade e eu tomo consciência de que quando era criança não devia haver dia da criança. Não me lembro. Devia ser feriado, dia da Santa, de todas as santas a que resolveu assumir a função mais espinhosa, nos proteger, olha a faina em que a nossa divindade morena se meteu. A ela todo o meu respeito, que ela nos dê a proteção que merecemos e ilumine nossos caminhos.

Existindo ou não dia da criança certamente eu estaria jogando bola, mesmo que fosse tempo de bolinha de gude, raia, bete, balão, queimada, essas coisas que tinham o poder de dividir o tempo na minha meninice. Passadas as quatro horas tudo se encerrava e a número cinco era castigada entre touceiras e carrapichos, descalço mesmo, aquela bolota que fica ali atrás do dedão ajudando a dar rosca, fazer a oval girar no caminho do gol.

Era o time da Brasílio contra o da Petit, de vez em quando íamos jogar atrás do cemitério contra o Realzinho, jogo duro, às vezes resolvido pelo pé de chumbo com um tirambaço de longe, seguro na defesa pelo filho do sapateiro, goleiro da melhor qualidade. Os que nasceram sabendo mandavam no jogo, jogavam no meio, no ataque, os cegos de nascimento distribuíam botinadas na defesa, um negrinho no time adversário era perigo à vista, preconceito zero, respeito imenso, marca que essa gente já nasce sabendo.

Era como se hoje os meninos como por encanto largassem seus games, computadores, filmes na TV, pegassem suas bicicletas e abandonassem condomínios, casas, edifícios e por conta própria se articulassem em equipes, e sem juízes para lhes comandar os lances jogassem até o cair da noite, marcassem gols, esfolassem joelhos, ganhassem, perdessem, empatassem, brigassem, enchessem a barriga d’água na torneira da vizinha e voltassem para casa, um dia heróis, outro derrotados, os pais nem ficavam sabendo, só mandavam tomar banho que a janta já estava pronta. Eu sei que hoje é muito melhor, mas eu morro de saudades.

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