Quatro da tarde, os
netos saem para um parque da cidade e eu tomo consciência de que quando era
criança não devia haver dia da criança. Não me lembro. Devia ser feriado, dia
da Santa, de todas as santas a que resolveu assumir a função mais espinhosa,
nos proteger, olha a faina em que a nossa divindade morena se meteu. A ela todo
o meu respeito, que ela nos dê a proteção que merecemos e ilumine nossos
caminhos.
Existindo ou não dia da
criança certamente eu estaria jogando bola, mesmo que fosse tempo de bolinha de
gude, raia, bete, balão, queimada, essas coisas que tinham o poder de dividir o
tempo na minha meninice. Passadas as quatro horas tudo se encerrava e a número
cinco era castigada entre touceiras e carrapichos, descalço mesmo, aquela
bolota que fica ali atrás do dedão ajudando a dar rosca, fazer a oval girar no
caminho do gol.
Era o time da Brasílio
contra o da Petit, de vez em quando íamos jogar atrás do cemitério contra o
Realzinho, jogo duro, às vezes resolvido pelo pé de chumbo com um tirambaço de
longe, seguro na defesa pelo filho do sapateiro, goleiro da melhor qualidade. Os
que nasceram sabendo mandavam no jogo, jogavam no meio, no ataque, os cegos de
nascimento distribuíam botinadas na defesa, um negrinho no time adversário era
perigo à vista, preconceito zero, respeito imenso, marca que essa gente já nasce
sabendo.
Era como se hoje os meninos
como por encanto largassem seus games, computadores, filmes na TV, pegassem
suas bicicletas e abandonassem condomínios, casas, edifícios e por conta própria
se articulassem em equipes, e sem juízes para lhes comandar os lances jogassem
até o cair da noite, marcassem gols, esfolassem joelhos, ganhassem, perdessem,
empatassem, brigassem, enchessem a barriga d’água na torneira da vizinha e
voltassem para casa, um dia heróis, outro derrotados, os pais nem ficavam
sabendo, só mandavam tomar banho que a janta já estava pronta. Eu sei que hoje
é muito melhor, mas eu morro de saudades.
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